Estamos morando no motorhome há uma semana e recebemos uma carta de aviso do acampamento reclamando que temos muitas coisas espalhadas em volta do nosso trailer. São algumas das coisas que tínhamos em casa e das quais ainda não conseguimos nos livrar. Já vendemos ou doamos 90% de tudo o que tínhamos, mas ainda precisamos nos livrar de mais bagulhos. Onde está Marie Kondo quando você precisa dela?
Em Miami, tínhamos uma casa com quatro quartos e uma empregada. Beta tinha um closet grande e eu tinha outro. Entre a venda da casa e o dia da mudança pro RV, fizemos um bazar, vendemos algumas coisas e demos o resto para a empregada que nos ajudou nesses anos.
Estamos no outono, as árvores aqui no parque estão se livrando das suas folhas para se preparar para uma nova estação. Estamos fazendo o mesmo.
No motorhome, cada um de nós agora tem apenas uma gaveta, e cada um só pode ficar com o que couber dentro dela.
Como a gente comprou um trailer usado, estamos consertando algumas coisas antes de atravessarmos para a Califórnia. As crianças se divertem nos ajudando a consertar e pintar. Você pode ver aqui um vídeo curto no Instagram.
Agora a gente tem uma cama de casal (que toma todo o nosso quarto), nossos dois filhos mais velhos têm uma bicama, e os três menores dividem uma que fica em cima do banco do motorista. Além disso, temos um banheiro tipo de aeroporto, com chuveiro baixo; tenho que me agachar para molhar a cabeça. Há também um espaço com pia, geladeira e fogão. Tudo isso em 35m². Mas cabe a gente bem.
Só temos dois lugares para ficar se estivermos dentro de casa. Ou estamos em nossas camas ou na sala de estar/cozinha. Mas nossos dias são, na maioria das vezes, do lado de fora, sentados em cadeiras que montamos ao redor do fogo, em redes, ou cozinhando num grill enquanto as crianças sobem em árvores e correm.

Ontem, Teo, nosso filho mais velho, quebrou o pé. Levamos ele para a clínica mais perto do acampamento. Mais perto, mas não perto. Isso me lembrou de que não temos mais o conforto de morar perto de um hospital e de ter amigos e médicos conhecidos na cidade. Pensei que agora, se eles sofrerem um acidente, podemos não mais estar perto o suficiente de um hospital, e que essa foi uma escolha nossa. Esses pensamentos aparecem e não me ajudam a relaxar.
Há uma tranquilidade na boiada, em fazer o que todo mundo faz, morar como todo mundo mora. Porque se algo der errado, você sempre pode culpar o acaso, não algo que você causou ativamente. Também penso que se as crianças quiserem entrar em uma boa faculdade e fracassarem, fui eu que as tirei da escola.
Às vezes, esses pensamentos me levam a pensar em encurtar o projeto. Poderíamos ir da Flórida para a costa oeste dos EUA e voltar a tempo de matricular as crianças na escola antes de setembro. E eu tenho dinheiro suficiente para ficar seis meses sem trabalhar. Mencionei essa possibilidade para Beta, que me lembrou que eu estava apenas com medo. Ela estava certa.
Muitas vezes temos ajudado uns aos outros a não desistir ao longo do planejamento desse projeto. Funcionando como aqueles quebra-molas que rasgam os pneus para evitar que os motoristas deem ré. Toda vez que menciono que estou preocupado com dinheiro, Beta me lembra que, aconteça o que acontecer, podemos arrumar um emprego em alguma nova cidade, mas nunca passaremos fome. Quando ela se preocupa com o fato de as crianças não estarem na escola e passarem o dia brincando ao ar livre ou nas telas, eu a lembro que não apenas elas não estão aprendendo nomes inúteis de triângulos, de reis e a função da mitocôndria, mas também estão deixando de aprender a fazer bullying, estão deixando de ter acesso precoce às drogas, de aprender a competir a qualquer custo e sobre como não ajudar um amigo que tem dúvida durante uma prova.
Estou do lado de fora do trailer e vejo Teo subindo numa árvore com o pé ainda enfaixado. Tenho certeza de que uma criança sempre estará mais segura dentro de uma sala de aula ou sentada em um sofá, mas não foi para isso que elas foram feitas, e sim para subir em árvores, aprender brincando, correr e quebrar coisas.
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Abração,
