Prioridades

Há alguns anos, percebi que comecei a precisar da ajuda de um despertador para me acordar e ir trabalhar. Depois comecei a precisar de dois ou três cafezinhos ao longo do dia para me ajudar a ficar alerta. O que não era um bom sinal, pois o café ajuda a focar e concentrar em tarefas lineares e repetitivas, mas, como explica Michael Pollan em Cafeína, prejudica a criatividade, que depende justamente de pensamentos não lineares. Não era ideal para quem tinha uma agência de publicidade. Minha mente ainda não sabia que era um sinal de que eu estava insatisfeito com alguma coisa, mas meu corpo já sabia que algo estava errado.

Outra coisa que senti que não estava indo muito bem era o tempo que passava com a minha família. Eu sempre disse que minha família era minha prioridade, mas como a maioria das pessoas ao meu redor, o tempo que eu passava com eles era apenas sobras de minutos, horas e dias não ocupados pelo trabalho: as sobras do dia, quando cansado à noite, as sobras da semana, nos sábados e domingos. Qualquer um que estudasse meu calendário poderia somar as horas acordado que dedicava à minha família e as horas que dedicava ao trabalho e ver onde estava minha real prioridade. Meus filhos estavam crescendo mal conhecendo o pai, exceto como o cara cansado que chega à noite e paga as contas. Entre ficar com minha família ou trabalhar uma hora a mais para ganhar mais dinheiro, eu estava claramente escolhendo o dinheiro.

No início, usei a história de que o tempo dedicado ao trabalho poderia, de alguma forma, ser contabilizado como tempo dedicado à família; afinal, eu estava trabalhando para trazer dinheiro para casa. E por muitos anos, foi fácil para mim me enganar com essa falácia, principalmente porque muitos ao meu redor a usavam. Mas, com o tempo, foi ficando cada vez mais difícil para mim acreditar nessa desculpa. O tempo da família devia ser o tempo da família. E eu não estava priorizando a minha família.

Além disso, o trabalho também estava prejudicando o pouco tempo que eu tinha com meus filhos. Depois de um dia estressante ou uma semana difícil no trabalho, eu sabia que não estava totalmente presente quando estava com eles. Tinha lido recentemente que crianças que têm pais estressados ou com a cabeça ausente, crescem se sentindo sozinhas com suas emoções e se tornam adolescentes que sentem que ninguém os entende. Esse fenômeno de proximidade física, mas distância emocional, é chamado de “separação próxima”. Acontece quando as crianças percebem (e elas percebem!) que, apesar de seus pais estarem fisicamente presentes, a cabeça deles está em outro lugar. De acordo com o Dr. Gabor Maté, os níveis de estresse fisiológico experimentados pela criança durante os momentos dessa “separação próxima” se aproximam dos níveis experimentados durante a separação física real. Isso significa que quando estamos com nossos filhos, mas pensando no trabalho ou segurando nossos celulares, é como se não estivéssemos lá. Eu não estava enganando ninguém.

Também não ajudou o fato de as crianças estarem crescendo e começando a me perguntar sobre o meu trabalho. Na verdade, eu já estava me sentindo infeliz lá, mas não sabia ainda que parte desse desânimo vinha do tipo de trabalho que eu estava fazendo: fazer as pessoas gastarem seu dinheiro suado em coisas de que não precisavam.

Nossa profissão, além de nos sustentar financeiramente, também tem a função de animar nossas vidas. Mas no meu caso, estava me esgotando. E eu não queria que meus filhos pensassem que não havia problema em trabalhar numa coisa que não trazia alegria. Cada vez mais, eu via parentes e amigos mais velhos pagando com a saúde o preço de não amar o que faziam. Não apenas depressão e ansiedade, mas câncer, pressão alta e doenças autoimunes que têm suas origens nas horas de vida gastas fazendo algo que não é sua paixão.


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Há alguns anos eu saí de casa, fechei minha empresa, tirei as crianças da escola e passei a viver com minha esposa e cinco filhos rodando num motorhome.

Eu continuo sem nenhuma ideia de onde vamos parar – mas aos poucos estou aprendendo a ficar ok com isso.

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